Li por aí | Coragem é ir com medo mesmo
Sensação é ferramenta; nem sempre precisamos usar apenas sua primeira função
Toda sensação é ferramenta, tenho aprendido. Ansiedade, medo e entusiasmo podem ser indicadores - de uma necessidade de preparo prévio, de desconforto, de vontade de seguir numa direção. Mas nem toda ferramenta precisa ser usada sempre pra sua primeira função. O medo de fazer errado, de ouvir um "não" (ou de, às vezes, nem ouvir uma resposta!) não pode ser um desconforto paralisante.
Descobri que ter coragem de ultrapassar meus medos do meu jeitinho tem sido menos pior do que eu imaginava. No início eram coragens pequenas, que se tornaram aos poucos maiores, mais visíveis.
Do "e se eu me candidatar a essa vaga mesmo não sendo da cidade correta?" (o que me levou ao Blue Bus) até o "e seu eu aceitar esse convite da Leila Ribeiro para editar o livro dela?" (o que abriu toda uma nova frente de trabalho como ghostwriter de livros de não-ficção), tenho me lembrado mais das coisas que deram certo do que das que deram errado. Ficaram fora da minha memória os emails que não me responderam, as vagas que me recusaram, aquilo que não deu certo.
Senti um medinho desses na última newsletter que fui disparar. Retomei a news "Li por aí" há poucos meses, e na última edição não sei por que pensei que talvez o tema não fosse interessar muita gente. "Quem lê tanta newsletter?", pensei comigo, adaptando Caetano Veloso pros novos tempos.
Publiquei mesmo assim.
Todos os números da newsletter foram os piores da sua pequena série histórica, mas eles não contam tudo. Eles não mostram que o tema me fez ser lembrada por um grupo de amigos e profissionais que admiro, que uma amiga e colega recomendou a assinatura aos seus seguidores, que o assunto virou papo nas DMs com uma editora que considero incrível.
Cuidado pra não deixar o medo te paralisar, mas também para não se prender demais aos números e não olhar em volta, nas coisas difíceis de mensurar em tabelas do excel, mas que podem fazer a sua vida mudar, o seu dia se alegrar, os receios simplesmente dissolverem pelo ar. Sinta - o medo, o frio na barriga, o entusiasmo, o desconforto. E escolha agir (do seu jeito) mesmo assim. Pode ser sensacional!
Coisas que eu li por aí
A internet debaixo d’água: como é feito o reparo dos cabos de internet submarinos que conectam os continentes
Já parou para pensar quem é que cuida da manutenção dos cabos de internet que ficam no solo dos oceanos, conectando os continentes e ajudando a fazer essas minhas letrinhas chegarem até você? Essa matéria do The Verge conta um pouco sobre esse mercado complicado e essencial para o mundo digital que temos hoje: os navios de reparo de cabos submarinos de internet. Já aviso que o material é extenso, mas vale muito a pena. A narrativa, que é acompanhada de imagens e pequenas interações visuais, mostra como é a rotina de quem cuida de remendar os cabos quando eles sofrem avarias, explica sobre as avalanches que acontecem debaixo d’água e podem desconectar países inteiros e ainda ajuda a inocentar os pobres tubarões, que não tem nada a ver com as rupturas dos cabos hoje em dia. Você vai precisar de mais ou menos 1h para consumir o material na íntegra. Dá pra ler aos poucos, sem pressa, pois o texto é todo blocado para facilitar a leitura.
Gosto muito de materiais bem longos assim.
Tem uma recomendação do tipo? Me mande por mensagem!
***
Um ranzinza num cruzeiro: como passar dias em um parque aquático em alto-mar e não gostar
Um dos meus melhores amigos da adolescência era um cara muito, muito crítico. Ranzinza, irritado, uma personalidade com criticidade avançada, tudo podia ser melhor, não estava bom, qualquer coisa era uma decadência completa. Como ele conseguia fazer isso com tão pouca experiência de vida? Não sei, mas talvez a convivência com ele tenha me trazido um apreço e uma maior paciência para lidar com as personalidades ranzinzas que cruzam a minha vida.
Apesar da nuvem cinza que vem com eles, no geral os pontos críticos costumam ser certeiros e válidos. Ser ranheta não te torna necessariamente superficial, né? Foi mais ou menos nessa chave que consegui me divertir com a leitura da experiência desse jornalista a bordo do cruzeiro Icon of the Seas. Tido como um dos mais modernos e luxuosos cruzeiros do tipo, ele é basicamente um grande parque aquático flutuante. Mas eu, que jamais tive uma experiência semelhante, me diverti com as descrições de Gary Shteyngart, que precisou lidar com todo esse luxo e proposta de férias numa vibe “trabalho”, analisando, entrevistando e usando sua vivência como base para esse ‘diário’ na The Atlantic. Se você tem apreço por um certo mau-humor implicante, vale a leitura. Vou te dar um gostinho do começo, em tradução livre:
“O navio não faz o menor sentido, vertical ou horizontalmente. Não faz sentido no mar, na terra ou no espaço sideral. Ele parece uma mescla de cúpulas e minaretes, de tubos e coberturas, como se Istambul tivesse sido desenhada por idiotas.” -- Gary Shteyngart, The Atlantic
***
Manutenção de amizades é difícil, e para os homens parece que tá pior
Ao longo dos últimos meses tenho ouvido com constância uma preocupação forte com a solidão. Parte do motivo parece ter a ver com a decisão da OMS de criar uma comissão específica para tentar lidar com o assunto, que já é tratado como “uma epidemia”. O assunto é mesmo sério, em termos de saúde pública. Pessoas solitárias podem ter problemas de imunidade, cardiovasculares, maior risco de AVC, de declínio cognitivo e de aumento da demência. Pesquisas já apontam que a solidão pode aumentar o risco de ansiedade, depressão e suicídio. A coisa é tão grave que, para tangibilizar de forma mais prática, parece ter impactos tão nefastos quanto fumar 15 cigarros por dia (!).
Combater a solidão, contudo, não é tarefa fácil. É bem complexo conseguir manter amizades e círculos sociais mais íntimos na contemporaneidade, quando estamos soterrados de compromissos e trabalho, além de matar boa parte das nossas horas livres com apps e redes sociais (fuén). Solidão também foi tema de várias sessões ao longo do SXSW 2024 e já foi pauta de discussão em mesa de bar com os meus amigos. Minha sensação particular é que depois que a gente deixa os ambientes de estudo “programados” socialmente (o ensino básico, fundamental, médio e superior), parece que perdemos as conexões recorrentes que levam à amizades duradouras.
Se parece difícil pra nós, brasileiros, que vivemos sob a égide de uma cultura que privilegia o toque, o abraço, a proximidade e um certo carinho entre até completos desconhecidos, vale destacar que a situação é mais grave em culturas onde essa proximidade toda não é tão comum.
Agora, o que eu não tinha pensado ainda é que esse poderia ser um problema com um forte recorte de gênero. Homens, em geral, têm se sentindo bem solitários, e estão entendendo que há uma responsabilidade parcial do patriarcado nisso, por ensiná-los que vulnerabilidade é algo ruim. Esse entendimento deixa os moços mais desamparados em termos de poder fazer, sei lá, uma reclamaçãozinha recreativa com os amigos sobre os desafios de relacionamentos, seus medos, anseios e receios.
Particularmente, sou avessa a qualquer tipo de solução rasteira pra essa questão. Não é mandando todo mundo presencialmente pro escritório que vamos resolver isso, nem se enfiando em um show lotado de milhares de pessoas que vamos nos sentir menos sozinhos. Como todo problema complexo, provavelmente a solução não é tão simples e pode envolver uma série de camadas capazes de estabelecer relacionamentos mais íntimos (e, portanto, com mais vulnerabilidade) para que possamos nos sentir mais acolhidos e compreendidos. Como brinca a arte do Pedro Vinicio, talvez seja importante ter alguém com quem você possa reclamar ao invés de resolver a sua vida. Talvez dê mais trabalho que parar de fumar, mas vale tentar.
Ministério desta newsletter adverte: não tenho soluções para essa questão, só provocações mesmo. Tem uma sugestão de como fazer (e manter!!) amigos depois dos 30 anos? Eu e os coleguinhas que leem essa newsletter estamos ansiosos em saber - que tal deixar sua dica nos comentários?
***
Avanços hormonais voltados à população trans podem transformar menopausa das mulheres cis
Talvez você já tenha ouvido falar que depois de uma certa idade, quando se aproximam da menopausa, as mulheres podem se beneficiar da famigerada reposição hormonal, que alivia os sintomas e efeitos colaterais mais desconfortáveis desse período da vida de pessoas que têm útero. Pois bem: essa matéria conta que ao avançar os tratamentos hormonais voltados para a população trans, médicos estão descobrindo que a reposição hormonal para mulheres cis pode estar ultrapassada e menos eficiente do que poderia ser. Isso porque por muito tempo a reposição hormonal para mulheres a partir dos 40 e tantos anos considerava apenas o estrogênio e a progesterona.
Por conta da maior pesquisa e estudo sobre o assunto, o que traz não só mais dados, mas mais regulamentação do uso de outros hormônios (como a testosterona), parece que médicos especializados em tratamentos hormonais estão observando a oportunidade de refinar a reposição hormonal para mulheres cis. A melhoria principal tem a ver com o uso da testosterona para casos em que existam dificuldades femininas relacionadas à libido, excitação e orgasmo (finalmente!!!!). Não queria ser crítica, mas parecem pontos bem importantes para uma melhor qualidade de vida a partir da meia idade, hein?
Esse é aquele tipo de notícia que, como pessoa com útero e uma menopausa no horizonte, me deixa ao mesmo tempo irritada (ninguém parou pra prestar atenção nisso antes?) e esperançosa (ainda bem que tivemos esses avanços sociais que estão permitindo avanços médicos que, se tudo der certo, vão me beneficiar lá na frente). Um pouco de raiva, um pouco de esperança. Seguimos.
O que mais você pode ouvir por aí
Olhos azul da cor do céu, azul da cor do mar, brilhantes como diamantes. Bleh, que clichê. Essa canção, que apareceu nas minhas descobertas da semana, me chamou a atenção exatamente por propor elogios curiosos e até românticos para todas as cores de olhos da face da terra - desde o castanho, cor de terra, passando pelo verde, cinza, preto e, por que não, o azul também. Achei a canção fofinha e bem humorada - e depois de pesquisar, entendi que ela é uma composição de vários TikToks que começaram a ser produzidos em 2021. Pra escutar, só dar o play logo abaixo:
O que vem por aí
IRPF 2024: o prazo final mesmo pra cuidar disso é até 31 de maio, mas talvez seja uma boa começar mais cedo, até porque os últimos dias vão coincidir com o feriado emendado de Corpus Christi, um dos poucos feriados do ano. E a gente não precisa dar trabalho pro pessoal da Receita, que já tá tendo o feriado arruinado pelo plantão que inevitavelmente vão fazer. A maioria dos bancos e instituições já devem ter enviado seus informes de rendimento, então se organize e comece antecipadamente pra não se enrolar!
Como pesquisadora, estou bem contente de ter sido aprovada para apresentar o meu trabalho de mestrado no ESOCITE 2024, que acontecerá na Unicamp em julho. Levarei para a Jornada Latino-Americana de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia a discussão que levantei com o trabalho sobre o Furo da Bolha de Atila Iamarino e os desafios de ser um influenciador digital de ciências em um momento tão dramático quanto a pandemia de Covid-19. Caso você por algum motivo esteja por lá, não deixe de me procurar! E se quiser saber um pouco mais sobre esse trabalho, pode conferir os detalhes no meu site, ver o material na íntegra na biblioteca da Unicamp ou uma apresentação curtinha no reels do meu Instagram.