Li por aí | Já não basta fazer, é preciso falar
Não basta ser profissional ou criar sua arte; é preciso mostrar
Letras enfileiradas são há tempos uma especialidade minha. Agora, falar pra uma câmera é algo que tive que aprender. É diferente de uma conversa ou de uma palestra, temos que fazer a mensagem falada caber num tempo bem determinadinho. E quem me conhece sabe que tendo a falar quase tão rápido quanto digito. Na hora de gravar, preciso me policiar.
A primeira vez que percebi que precisava desenvolver melhor isso foi como uma jovem jornalista. Meus editores da época me convidaram para gravar vídeos de testes de produtos de tecnologia. Recebíamos os dispositivos, criávamos roteiros, colocávamos o texto no teleprompter e era só ler, me disseram. No primeiro dia de gravações, feitas em um estúdio improvisado na casa de um dos editores, descobri que eu era uma péssima leitora de TP. Depois de uma série de testes falhados, concluí que o problema não era o texto nem a velocidade da passagem das letras na tela. A dificuldade era fazer parecer que eu não estava lendo. Não era pra ser complicado, mas estava sendo.
Decidimos que seria mais produtivo se eu fizesse minha própria versão do roteiro pra leitura. Escolhi fazer uma lista de tópicos. Era basicamente a ficha do Faustão, mas sem ter nada me mãos. Os tópicos eram “passados” aos poucos pelo TP, que funcionava com uma velocidade automática. Minha ficha funcionava como uma lista de assuntos e palavras-chave, além de detalhes que queria lembrar. Foi com ela que consegui falar mais como uma repórter, seguindo um roteiro, mas de modo natural.
Entender a leitura de TP como uma habilidade foi algo que transformou duas coisas importantes: o quanto eu valorizo quem apresenta bem um telejornal; e a forma de criar roteiros para leitura. Não é à toa que hoje ofereço essa opção nos roteiros para os meus clientes, seja para discursos em eventos corporativos ou para moderação de mesas e painéis de debates.
Contar essa história aqui pra vocês assim, por escrito, segue sendo pra mim mais fácil que conseguir criar uma sequência de vídeos para os stories para guardar em um destaque, de modo a ajudar quem me acompanha no Instagram a saber que eu faço profissionalmente. Preciso não só deste texto, mas também de uma boa luz, um tripé para não tremer a câmera, um bom equipamento de áudio, conferir que não há barulho ao meu redor e, dependendo do dia, de uma boa make ou um filtro maroto.
Fazer o marketing das coisas que eu faço profissionalmente é o TP da minha atualidade. Ainda estou aprendendo como fazer do meu jeito.
Até pouco tempo atrás eu achava que isso era uma coisa particular, nóia minha, como diria Camila Fremder. Amigos e colegas de outras áreas de atuação não tinham essa preocupação em “falar sobre o que faziam”. Quando eu contava que às vezes achava mais fácil fazer uma apuração para uma matéria de capa de revista do que divulgar o tal trabalho, eles se surpreendiam. “Precisa mesmo fazer isso, Jac?” Porque, na real, eles não precisavam.
Acontece que profissionais de áreas correlatas à minha têm se queixado de que essa função de falar do que se faz consome muito tempo. Em uma matéria recente na Vox, escritores e artistas da música têm se queixado do tempo que dedicam a funções relacionadas ao marketing ou a gerar uma boa percepção de mercado para que sejam levados mais a sério. São coisas como tentar fazer uma música hitar no Spotify, garantir postagens com frequência no Instagram para ter um número grande de seguidores e ser melhor avaliado em uma editora ou aprender a usar o TikTok.
Ninguém tem muito uma solução em vista, pelo que parece. A sensação parece ser mais latente nos “pequenos”, por assim dizer, que ainda não podem contratar uma equipe de marketing para fazer isso por eles. Contudo, personalidades de maior alcance e influência, como Gabriela Prioli, também tem manifestado descontentamento ao ver suas postagens serem tão “produzidas” nos seus espaços digitais. Faz sentido: a jornada de influenciadores digitais, como Prioli, costuma começar simples e caseira, mais íntima e próxima da audiência. Quando ela fura a bolha e alcança uma nova audiência, as regras mudam, o capitalismo se impõe e novas demandas vão surgindo. Talvez essa expectativa de “profissionalização” seja uma delas.
Aqui comigo, confesso que sigo com um tanto de desconforto, mas também ciente de que as regras do jogo são essas, e é preciso criar uma estratégia pra jogar. Afinal, se eu não falar de mim, quem é que vai falar, não é mesmo? Aos amigos que não lidam com essa pressão, fico feliz por vocês e já antecipo meu agradecimento pela compreensão com os posts que não são exatamente sobre curtição, mas sobre profissão. E aos que estão comigo no bloco da autodivulgação, respirem um pouco mais aliviados. Não é apenas nóia sua. É uma situação da nossa geração.
Li por aí e você pode achar bacana também
Botou seu bloco na rua em SP? Saiba que a política pública ajudou a festa a acontecer
Você sabe quando foi que São Paulo se tornou tão relevante na programação de Carnaval do Brasil? Eu não lembrava ao certo, mas Clarissa Passos lembrou em uma interessante argumentação na sua newsletter que foi ali por volta de 2014, como resultado de uma política pública, surgida a partir do entendimento que o lazer de Carnaval é um direito constitucional e apoiada pela prefeitura da cidade para mobilizar a capital paulista em direção à folia. O resultado? O que nos primeiros anos levava às ruas algo como 1,5 milhão de pessoas se tornou uma multidão de 15 milhões em 2024.
***
Paradoxo do Parabéns: uma explicação estatística em visuais estonteantes
Alguma vez já te perguntaram quantas pessoas precisam existir numa mesma sala para termos 50% de chances de ter dois aniversariantes no mesmo dia? A resposta certa é 23 - por isso que as salas de aula com cerca de 30 alunos têm grandes chances de aniversariantes em dias repetidos. Mas… você sabe por que é assim? Esse site explica a estatística por trás do paradoxo do parabéns de maneira muito didática e visual. A dica foi do Träsel.
***
Tratamentos de ansiedade para os pais podem gerar benefícios para os filhos sem que os pequenos precisem receber tratamento
Como bem sintetizou o psiquiatra Hermano Castro, estar rodeado de pessoas com boa saúde mental também pode levar você a ter uma boa saúde mental. A pesquisa citada por ele sugere que o tratamento contra ansiedade administrado para pais levou a melhoras nos sintomas de ansiedade dos seus filhos, sem que os pequenos precisassem passar por tratamento. Faz pensar o quanto cuidar de si ajuda a acabar com desafios de saúde mental que são sistêmicos e, em muitos casos, geracionais.
***
Risco de associar diagnósticos com classe social é não tratar a contento
Conhecida como "a doença de xixi de rato”, a leptospirose costuma acometer pessoas em situação de vulnerabilidade - como as que circulam em locais sem esgoto sanitário ou que foram expostas a água, solo ou alimentos contaminados, como em casos de enchentes e alagamentos. Mas isso não garante que pessoas de outras condições sociais não serão acometidas pela doença. Foi o caso de uma médica, que foi dispensada com um punhado de medicamentos paliativos e só conseguiu confirmar a infecção porque uma amiga dela, que é nefrologista, solicitou um teste depois de fazer a relação entre os baixos níveis de potássio no exame de sangue com o quadro clínico de febre. A leptospirose é considerada uma doença grave, mas tem tratamento. Hoje, a médica está recuperada e trabalha para tirar o estigma para que uma doença como essa, tão comum no Brasil, seja diagnosticada mais rapidamente. Vale como alerta para a classe médica e também pra nós, pacientes, ficarmos atentos. Nem sempre as doenças mais prevalentes são as que estão mais na linha de atenção do setor de saúde.
***
Retrofit de sites de notícias que fecharam as portas: um DJ sérvio faz destes sites “fazendas de anúncios” com conteúdo gerado por IA
Esse interessante perfil da Wired mostra o que acontece com os domínios de sites famosos quando suas operações são fechadas. Assim que a equipe apaga as luzes e deixa de renovar domínios que tinham alto tráfego e boa reputação em buscadores, esse DJ sérvio que se tornou um empreendedor digital mantém as “luzes acesas” com ajuda de IA e uma dúzia de editores humanos. Por meio de conteúdo genérico e com potencial viral, ele consegue fazer com que um grande número de pessoas que fazem buscas “caiam de paraquedas” nos sites coordenados por ele. E o que ele ganha com isso? Bem, ganha dinheiro, por meio dos anúncios exibidos nos mais de 2 mil domínios que ele gerencia (!!). É quase como se ele fosse o rei do caça-clique ao fazer um retrofit de sites famosos e bem avaliados pra manter os seus boletos pagos. É um daqueles casos que eu acho deprimente, mas ao mesmo tempo genial.
O que mais você pode ler e assistir por aí
Recentemente concluí duas leituras biográficas interessantes. A primeira e mais fácil de fluir foi “A cada passo”, livro de memórias de Anderson Birman, um dos fundadores da Arezzo. A curiosidade se deu por conta do processo de construção da obra, que iniciou sem pretensão de se tornar livro. Birman tinha recorrentes conversas com a jornalista e escritora Ariane Abdallah, gerando um vasto material escrito sobre as suas memórias. Esses textos serviram como base para a seleção da narrativa criada quatro anos depois, que condensa não só o modo de pensar e operar do fundador da marca, mas todo o seu processo de sucessão (hoje a empresa é liderada pelo filho de Anderson). Fico pensando em quantos executivos e executivas de sucesso também não devem contar com algum tipo de processo semelhante, contando com alguém dedicado a registrar insights e memórias em texto e os guardando para a posteridade.
O outro foi um livro bem mais difícil de concluir e, às vezes, difícil de justificar. Trata-se da biografia de Elon Musk, escrita pelo biógrafo Walter Isaacson. “Por que é que você está fazendo isso consigo mesma, Jac?”, me perguntou um amigo e colega que também foi jornalista no passado. Bom, eu fiz porque queria ver o que o Walter Isaacson ia fazer com essa história. Minha crítica completa pode ser lida no GoodReads, mas destaco quatro coisas rápidas.
Foi um livro difícil de ler não porque a escrita do Isaacson seja ruim, mas porque o personagem principal parece que nunca perde nada, sempre se dá bem, mesmo quando faz algo errado (tipo colocar carros pouco seguros no mercado e ignorar regras de qualidade);
A apuração de Isaacson ficou falha em diversos pontos da narrativa, o que faz pensar o que teria levado o autor a ser tão relapso com a apuração;
Isaacson faz comparações excessivas entre Musk e Jobs (tema de biografia anterior do mesmo autor), o que fica parecendo propaganda de si mesmo;
Por fim, há muita relativização de comportamentos repreensíveis, como se os problemas que muita gente aponta nas empresas de Musk fossem parte inerente do progresso.
Fiquei refletindo que Isaacson pode ter feito o melhor possível da situação toda. Considerando que Musk tende a ser alguém bem rancoroso com quem cruza o seu caminho em direções que divergem da dele, evitar divergir do seu “objeto de pesquisa” pode ser mais seguro do que fazer um livro aclamado pela crítica.
O que me faz sempre lembrar da Maria Eugenia Boaventura, minha professora de estudos de não-ficção na Unicamp, quando abordava de forma muito direta a questão principal na hora de escolher quem biografar: biografado bom é biografado morto.
O que vem por aí
Aos leitores de São Paulo, estarei no lançamento de “O Jardim da Resiliência”, livro de Katia Wendt que contou com meu apoio na organização e escrita. Vai ser em 06 de março na Livraria da Vila do Shopping JK. O livro já está em pré-venda na Amazon e os detalhes do lançamento podem ser encontrados neste link.
Em breve, vou compartilhar junto da GoAd Media algumas das apresentações que parecem ser imperdíveis no SXSW 2024. Ah, e se quiser saber o que rolou por lá na nossa volta, a agenda de palestras da nossa volta já está aberta - só me dar um alô!
Leitores disseram por aí
Uma das coisas legais de escrever na internet, desde o começo, foi conseguir iniciar conversas digitais que nunca teriam acontecido se eu não tivesse arriscado publicar.
Desde a retomara deste projeto, recebi mensagens muito queridas. Fernando é um leitor assíduo e vira e mexe menciona algum dos meus links & ainda dá a fonte, uma raridade hoje em tia. Também recebi duas mensagens diretas muito queridas - uma do Jorge, com quem trabalhei há alguns bons anos atrás, e outra da Luciana, que foi minha colega no Blue Bus e a quem eu lia com muito gosto muito antes de subir naquele ônibus. Parece pouco, mas as mensagens e feedbacks deles ajudam a incentivar nos dias em que a gente pensa “quando é que eu tive essa ideia?”.
No final, se alguma leitura gerar um insight em quem ler esta newsletter, já terá valido a pena. Você também pode me mandar uma mensagem privada pelo email euli@lafloufa.com, por uma DM no Instagram ou, se preferir fazer um comentário público, pode deixar sua mensagem abaixo ou clicar nesse botão azul da sequência.