Li por aí | Mais sábias que eu
Esqueça o Forbes Under 30: conheça a seleção Over 70 de "Wiser than me"
Tem dias que me sinto ecoando Fernando Pessoa e me sinto cansada de semi-deuses. Os jovens que são sucesso no TikTok antes dos 20 anos, os executivos que estão sendo reconhecidos “antes dos 30”, os top profissionais que fizeram tudo certo “under 40”. Não reconheço os meus amigos ou colegas em nenhum deles.
Talvez por isso que as convidadas do podcast Wiser than me, apresentado pela atriz e comediante Julia Louis-Dreyfus, me pareceram tão interessantes. Privilegiando mulheres bem vividas, o podcast traz para o centro da conversa uma série de personagens importantes e relevantes que estão para lá dos 70 anos, convidando-as a contar um pouco sobre o que aprenderam, o que pensam e que dicas têm para quem ainda não chegou lá.
A recomendação veio da Luciana van Deursen Loew e eu confesso que fiquei muito feliz com a dica, porque era o tipo de coisa que eu acho que gostaria mesmo de ouvir. É quase como ter uma irmã mais velha podendo te contar o que dá ruim ali adiante pra que você talvez derrape menos na curva logo mais.
E as perguntas são bem rasteiras, diretas, do tipo “e aí, quão difícil, fisicamente falando, é ter 85 anos?” Parece exatamente o tipo de pergunta que todos nós queremos mesmo saber. E o melhor: as convidadas estão bem dispostas a responder, falando não apenas da importância de manter a saúde física, mas também de como cada uma delas decidiu manter ou suspender relacionamentos, das dúvidas que sentiram, dos medos e receios que ainda têm e de como ficaram em paz até com os erros que sabem que não vão conseguir mais corrigir.
O formatinho é bem rápido de desvendar: a abertura acontece com uma pensata (nem sempre boa) da Julia, seguido da entrevista, uma quantidade exagerada de comerciais (já aviso que o podcast tem propagandas POR DEMAIS, mas ao menos dá pra saltar se você enjoar delas), fechando com três perguntas nostálgicas para a entrevistada (do tipo “o que você diria para você aos 21 anos?”) e uma espécie de epílogo da Julia conversando com a mãe dela, por telefone, sobre a entrevista. Mas o ouro mesmo reside nos aprendizados dessa gente incrível acima dos 70 anos que compartilha de uma forma muito franca e direta (seria um benefício da idade?) suas visões de mundo e suas estratégias para ter chegado até onde chegaram.
Tem uns episódios bem chatinhos, como o que só tem ranzinzice de Fran Lebowitz, mas alguns que são bem interessantes de ouvir, como o episódio de estreia com Jane Fonda, a participação de Isabel Allende e a gravação com Diane von Furstenberg. É como se a gente pudesse ter uma representante desbocada pra fazer as perguntas que gostaríamos de fazer, mas estaríamos muito envergonhadas em perguntar, para quem está lá adiante nesse jogo da vida.
Ouvir as histórias das mais velhas parece o único hack possível para tentar se antecipar com as tretas mais previsíveis do futuro. A parte boa é que a temporada foi renovada em 2024 e mais episódios vem por aí. O único senão é que o podcast inteirinho é em inglês (fuén). Será que alguém se habilita a fazer algo semelhante em terras tupiniquins? Seria um deleite ouvir o que brasileiras acima dos 70 têm a dizer.
Coisas que eu li por aí
Pesquisadores com nomes de minorias étnicas são menos mencionados na imprensa
Uma pesquisa recente apontou que autores de pesquisas que tenham nomes originários de minorias étnicas (ou seja, que não sejam tão comuns aos falantes de inglês) eram significativamente menos mencionados do que autores com nomes mais anglófonos. Quando li sobre a pesquisa, rapidamente me lembrei do episódio contado pela atriz Uzo Aduba sobre um episódio da sua infância. Inconformada com a difuldade das pessoas em aprenderem a escrever seu nome (“Uzoamaka”), ela teria pedido para trocar de nome para algo mais americano, como Zoe. “Se eles podem aprender a falar Tchaikovski, Dostoiévski e Michelângelo, eles também podem aprender a falar Uzoamaka”, teria respondido a mãe dela.
Acho que todos nós podemos fazer um esforcinho para dar mais atenção às sequências de letrinhas que estejamos menos acostumados, mas que possam dar destaque às pessoas que merecem, indepentendemente de nomes e sobrenomes étnicos. Byung-Chul Han, Joy Buolamwini, Chimamanda Ngozi Adichie e tantos outros merecem nosso respeito com seus nomes. Bóra se esforçar na hora de digitar, sim?
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Americanos testando Apple Vision Pro: “Usei para fazer conferências da cama, enquanto estava doente” (!!)
Mais cedo neste ano, quando estive nos EUA, vi algumas pessoas usando o Apple Vision Pro e a sensação era muito esquisita. É como se elas estivessem apartadas da realidade, acompanhando algo que está sendo projetado à frente dos seus olhos. Ainda não tive a chance de experimentar os óculos de realidade mista da Apple, mas sigo acompanhando as resenhas para entender o que os críticos acham. Só que esta daqui, publicada pelo Engadget, me chamou muita atenção por um único motivo: achei a ideia de usar o dispositivo pra fazer videoconferências da cama enquanto se está doente uma coisa muito… errada? Juro que não estou de brincadeira, o autor escreveu isso mesmo! Seguirei acompanhando, mas a leitura dessa resenha só me fez lembrar da conta memética que compara chefes europeus com chefes americanos. Espero que consigamos pensar em usos melhores para esse gadget.
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Entidades pedem que marco legal da IA no Brasil preveja remuneração de autores
Incluindo associações da imprensa e de advogados, são vinte e seis as entidades que pediram que o projeto que promete estabelecer o marco legal da IA no Brasil preveja a remuneração dos profissionais que tiverem seus trabalhos utilizados pelas ferramentas de IA. Claro que é difícil de saber que pedacinhos de que trabalhos foram usados por uma IA Generativa para gerar um determinado conteúdo, mas isso não significa que não existam maneiras de criar ou inventar formatos de remuneração. O Shutterstock, por exemplo, apresentou recentemente sua metodologia TRUST de remuneração de artistas e fotógrafos que cedem suas obras para o treinamento da IA do banco de imagens. Todos os que aceitam que suas obras sejam usadas como parte da base de treinamento da IA Generativa do Shutterstock são remunerados proporcionalmente à quantidade de obras cedidas. O mais legal é que depois de conhecer alguém que tenha feito algo sobre o assunto, fica mais difícil ouvir sobre os empecilhos técnicos que não permitem que o trabalho autoral das pessoas seja respeitado.
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Aumento de apps de diários mostra que melhor plataforma talvez siga sendo o papel e caneta
Já reparou quantos aplicativos de “journaling”, a palavra em inglês para o ato de manter anotações diárias, têm surgido nos últimos tempos? Parece ser um convite para um ambiente seguro em que seja possível escrever, anotar, fazer registros e rever um pouco do próprio dia. A prática de manter um diário é recomendada por uma série de motivos: ajuda a manter o hábito da escrita, organizar os pensamentos, reduzir a ansiedade, criar visão de longo prazo e permitir a reflexão, entre tantos outros. Mas escolher um aplicativo onde colocar seus pensamentos mais íntimos pode ser desafiador. Será que as políticas de privacidade são mesmo boas? Será que ninguém vai invadir o seu diário? Será que não vão vender suas informações pra te mostrar anúncios?
Adrienne So, da Wired, reflete sobre o assunto enquanto avalia um dos mais recentes apps do tipo, chegando à uma interessante conclusão: talvez a plataforma mais segura para isso seja o papel e a caneta. Como uma pessoa adepta da prática, ainda que falhe por dias a fio e depois volte pra recuperar as anotações esquecidas, acho que vale passear pelos apps (como DayOne, Apple Journal, Daylio) para ver se algum agrada - por conta das notificações e dos convites com perguntas a responder, eles podem ser interessantes para ajudar a formar o hábito.
No entanto, se você quiser garantir segurança e privacidade, algumas opções de papel também são bem boas. Tem o caderno de perguntas, que dura por cinco anos e precisa de poucos minutos pra te fazer pensar (a última pergunta que adorei foi “o que você faria com uma hora a mais no seu dia?” - as respostas realmente podem te colocar pra pensar o que você está fazendo com a sua vida), tem os cadernos com cadeado (pra dificultar a vida de qualquer leitor desavisado), mas virtualmente qualquer caderno e caneta que você tenha vão funcionar. Vantagens não faltam, segundo a Adrienne: o servidor não cai, seus dados não são vendidos e a bateria nunca acaba. Fica a dica.
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Um aplicativo para centralizar as tantas mensagens do seu dia
O cliente ou o chefe te mandou uma mensagem com um conteúdo importante para você fazer uso. Mas… será que você lembra mesmo onde foi? Está no email? Ou talvez no WhatsApp? Tinha sido um áudio ou uma mensagem direta no Instagram? Eita, pode ter sido também um ping no Slack, um aviso no Teams, uma notificação no Trello. Às vezes a jornada de caçar onde é que está a informação é mais demorada do que tudo. É com essa premissa de tentar ajudar a gente a organizar o rolê (e incluir até SMS nestas fontes todas aí) que a Automattic, dona do Wordpress, comprou dois agregadores de mensagens e deve torná-los um produto único sob o nome de Beeper. A ideia é simples: você conecta todas as suas contas por lá e o Beeper mostra tudo num lugar só. O que pega é que eu já vi esse filme, que na época se chamava Pigdin, um aplicativo centralizador de serviços de mensagens instantâneas. Por lá, era possível conectar Google Talks, ICQ, MSN, Skype e sei lá mais o quê, fazendo com que todos os alertas de mensagens instantâneas surgissem no mesmo lugar. A ideia era boa, mas nem sempre funcionava tão bem com todos os serviços integrados. Vamos ver como vai ser com o Beeper, que promete integrar do zap ao Slack, passando pelo Telegram e Instagram. No geral, se é algo da Automattic, eu já tenho uma certa benevolência. Mas é como disse: já vi esse filme…
O que mais você pode ouvir por aí
Já comentei no começo desta newsletter sobre o podcast “Wiser than me” e vou recomendar especialmente o episódio com a Jane Fonda, que foi o primeiro episódio da primeira temporada do podcast.
Dentre tudo que Jane Fonda menciona, um conceito especial me chamou a atenção, que é a ideia dela de entender a nossa vida como uma peça em três atos. A juventude, até os 30 anos, seria o primeiro ato, que não é nada fácil. O segundo ato acontece na meia idade, entre os 30 e os 60 anos. E a partir dos 60, quando oficialmente começamos a terceira idade, começaria também o “terceiro e último ato”, na visão de Fonda.
Como alguém que já estudou a jornada do herói e também a organização das peças, acho que é interessante pensar que o terceiro ato também é onde o protagonista encontra sua liberdade de viver, uma confiança plena e um entendimento até de onde errou e por que não teria conseguido fazer diferente. Isso ficou claro num outro episódio, da Isabel Allende, em que ela deixa claro que não se perdoa por algumas coisas, e é isso a vida, não é mesmo? Sempre bom poder aprender algo com quem veio antes da gente e passou pelos perrengues primeiro. Vale escutar sem pressa.