Li por aí | Mentoria Relâmpago
Sem você perceber, minutos de mentoria piscam na sua frente. Pode ser bom reparar para absorver.
Conceito bem difundido nos ambientes corporativos, contar com uma mentoria tem a ver com poder ter por perto uma pessoa experiente para ajudar a levar alguém mais jovem em direção ao sucesso. Uma mentora ou um mentor é basicamente alguém com mais quilômetros rodados e com disposição para tutorar outro alguém mais iniciante a desviar das ciladas da vida profissional.
Encontrar mentoria recorrente é tarefa árdua. Até onde me consta, isso acontece quando a pessoa mentora vai ganhar algo com isso (reconhecimento interno, boas avaliações) ou quando gosta muito da pessoa a ser mentorada. Só que mentorias recorrentes não são a única forma de cortar caminho em direção ao sucesso.
Existem, também, as pessoas generosas, que quase sem querer nos dão “minutos de mentoria” sem a gente nem mesmo pedir. Quem me chamou a atenção para esse conceito foi José Colagrossi, o Juca, num dos dias que passou pelas mesas do andar em que eu trabalhava na Kantar IBOPE Media. Uma figura sempre muito acessível e com ar bonachão, na maior parte das vezes aparecia com um sorriso no rosto e alguma brincadeira para aliviar a tensão do cotidiano de trabalho. Juca era muito afeito a uma colega que sentava logo ao meu lado, que tinha carinho recíproco por ele. Isso fazia com que as visitas fossem recorrentes, e sempre que ele aparecia eu dava um jeitinho de tentar prestar atenção. Certa vez, numa destas visitas, Juca contou pra nós uma parte de sua história, acerca de uma decisão profissional importante que ele fez. Achei tão potente saber da linha de raciocínio de alguém tão bem sucedido, que nos contava seu processo de maneira tão aberta, que resolvi agradecer logo ali na hora. Disse algo nas linhas de “obrigada por compartilhar, isso realmente é algo que jamais saberíamos se alguém como você não nos contasse", e fui pega de surpresa com a resposta dele:
“Nem sempre a gente consegue mentorar de perto, com frequência, mas sempre existem momentos de mentoria que vocês podem aproveitar. Saibam reconhecer quando eles aparecerem”
Claro que é ótimo poder contar com uma mentoria dedicada. Mais adiante, com apoio de algumas pessoas muito queridas da corporação, também passei por processos de mentoria que me foram muito válidos. Minha passagem pelo mundo corporativo foi rápida, mas cheia de aprendizados. E um dos melhores deles foi exatamente esse entendimento que o Juca me deixou, de aproveitar os minutos de mentoria que surgem no nosso caminho. É como se fossem um relâmpago: brilham rápido, chamam a nossa atenção, e rapidinho se encerram.
Mentorias relâmpago podem acontecer em meio a uma reunião de negócios, em uma conversa casual na copa, num encontro fortuito de networking. Tem sido assim que tenho mantido o aprendizado profissional afiado, ainda que desestruturado. Com uma executiva que muito admiro, aprendi sobre gestão eficiente e elegante do tempo. Com um grande expoente editorial, entendi a relevância de avaliar e saber levar em conta nossa intuição sobre determinados projetos. Uma liderança global talvez nem se recorde mais, mas me mostrou que “dar um passo para trás" nem sempre é retrocesso, mas tomada de impulso. Uma C-Level, durante um café que tomamos juntas, me contou que até quem está no topo às vezes precisa desistir, e mesmo sabendo que isso é a coisa certa a fazer, ainda dói.
Felizmente, nesta altura do campeonato, também tenho uma dica ou outra que posso passar adiante. Da mesma forma que vi sugestões importantes piscarem rapidinho na minha frente, também tento oferecer algum brilho aos que cruzam o meu caminho sempre que posso. Uma dica, uma sugestão, uma clareza sobre processos, até sobre alguns sofrimentos que a gente não vê no LinkedIn ou no Instagram.
Sabendo que mentorias relâmpago foram capazes de iluminar meu caminho mesmo que por alguns poucos segundos, tento aproveitar as luzes que recebi e oferecer mesmo que um pequeno feixe de luz para quem vem chegando. Não é nenhuma mágica, mas ajuda muito a seguir adiante. E faz a gente aguardar o próximo CABRUM!
Coisas que eu li por aí
A tecnologia do “João Automático”
Antes da existência de ferramentas como Hoteis.com, Booking e similares, eu ousei fazer uma reserva de hotel pela internet. Era uma destas redes famosas. Entrei no site, fiz a reserva na sexta-feira à noite e no sábado de tarde estava no local para fazer o check-in. Para minha surpresa, o hotel não tinha computado minha reserva, apesar dos comprovantes que haviam chegado por email. Depois de minutos, o atendente finalmente entendeu o que tinha acontecido:
“Puxa, é que você fez a reserva depois do final do expediente de sexta-feira. Nesse horário, o João, que confere manualmente as reservas do site e depois as transfere para o nosso sistema, já tinha ido embora”.
Fiquei pasma. Quer dizer que todo aquele sistema não era automatizado e integrado como tinha parecido pra mim? A interconexão entre os sistemas dependia muito do João, que “era” a automação. Desde então, qualquer tecnologia de integração surpreendente me deixa cética: é automático mesmo ou é “João Automático”?
Nos últimos anos, pesquisadores já descobriram que uma série de coisas que pareciam “automáticas” não eram tão automáticas assim. Enquanto a interface pede por “alguns segundos” para completar uma atividade, pode ser que aquela função esteja sendo executada por trabalhadores turkerizados, que tem poucos segundos para retornar com uma resposta. O que eu lá atrás chamei de João Automático é o que Mary L. Gray e Siddarth Suri chamam de “ghost work”, ou trabalho fantasma. (Falei sobre isso em uma matéria especial para o UOL Tab no início de 2020)
Mais recentemente, descobrimos que até a Amazon estava apostando no formato “João Automático” nas suas lojas da Amazon Fresh, que se diziam o supra-sumo da tecnologia. Supostamente os compradores podiam pegar as coisas da prateleira, colocar na sacola e simplesmente sair. Como é que a big tech entendia o que estávamos comprando? Supostamente, a partir de algoritmos avançadíssimos que detectavam o item, sua quantidade, a pessoa andando no mercado e tudo mais. Porém, o que se descobriu é que na verdade existiam centenas de pessoas revisando os vídeos das lojas, mantendo os olhos nas câmeras e manualmente montando carrinhos na correria, enquanto verificavam se o usuário tinha ou não concluído a sua compra. Insano pensar que um assunto que já foi estudado há mais de 4 anos segue sendo muito atual.
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Dos bolsos para os rostos: será que óculos de realidade imersiva vão virar nova opção computacional?
Você já deve ter ouvido falar dos óculos de realidade imersiva, os Oculus, que foram comprados há pouco mais de 10 anos pela Meta (que na época se chamava Facebook). A aposta de Mark Zuckerberg para alguns ainda se mostra infrutífera - como é o caso dessa matéria no TechCrunch - mas não foi bem assim que ouvi ao longo de alguns dias lá no SXSW, evento que acompanhei em Austin, nos EUA. Por lá, especialistas como Ola Bjorlink, defenderam que a chegada do Apple Vision Pro coroa uma década de expressivos avanços da tecnologia. A expectativa é que a Apple vá catapultar os óculos de realidade imersiva para um novo patamar, com melhorias de interface e conexão com um ecossistema que envolve um sistema operacional para computadores e para dispositivos móveis, a ponto de se tornarem uma nova interface computacional.
A diferença desse tipo de interação é que ela aconteceria “por cima” da nossa visão da realidade, como se a leitura dessa newsletter pudesse acontecer como um “filtro” sobre a sua realidade - se você estiver tomando um café, por exemplo, talvez essa newsletter aparecesse projetada em cima da sua mesa. Ainda parece muito esquisito, confesso. Vi pessoas circulando pelos pavilhões do evento com a geringonça do Apple Vision Pro afivelado na testa e achei que eles pareciam completamente desconectados da realidade. Eu nem conseguia ver os olhos deles! Mas cabe ficar atento ao assunto: se engrenar, a novidade deverá atender pelo nome de “computação espacial”, que remete ao fato de que os processos computacionais vão acontecer “no espaço” da nossa visão. Esquisito demais? Sim! Se quiser saber mais, escrevi sobre isso no SXSW Insights da GoAd Media - dá pra ler a partir da página 39.
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Os dados pra treinar os robôs de IA estão pra acabar (!)
A notícia recente de que a OpenAI estaria transcrevendo vídeos do YouTube para aumentar as bases de dados de treinamento para o GPT-4 me deixou um pouco surpresa. Se, de um lado, coloca big techs para degladiar sobre uso justo (o YouTube não gostou nada da história, até porque o Google estava usando isso para treinar seus próprios ronbôs de IA), briga que pode ser interessante de acompanhar, de outro conta também o quanto os dados disponíveis na internet, que pareciam uma imensidão de coisas, mas não são tão imensos assim. Isso porque não dá pra treinar os robôs com qualquer tranqueira que esteja online: é preciso que os dados sejam “de alta qualidade”, como destaca matéria do The Verge. Isso significa, segundo o NYT, textos como os de livros ou artigos escritos e editados por profissionais.
Se os dados “bons o suficiente” para treinar os robôs estão prestes a acabar em 2026 (!!), imaginei que ao invés de ir na direção de criar dados sintéticos ou coisa do tipo, o que as empresas de IA poderiam fazer era… contratar gente para gerar bons dados? Em uma conversa no último fim de semana, a resposta que recebi é que “certamente isso custaria mais do que eles estão pagando hoje”. Descobri que é ainda pior: o problema é o volume que eles precisam. Não basta comprar um livro, a ideia já estava no nível de comprar uma editora inteira (!!!). Encerrei o diálogo me sentindo um pouco ingênua com a minha ideia de “contratar pessoas pra escrever pros robôs”, e ao mesmo tempo muito curiosa para ver como é que essa pendenga de licenciamento de dados pra treinar robôs vai avançar.
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Problemas de primeiro mundo: em Amsterdã, desafio é conter velocidade das bikes elétricas
Um dos riscos de parar de contar só com os músculos do corpo para manter a velocidade de uma bicicleta está sendo visto em cidades onde as bikes elétricas, conhecidas como eBikes, estão em voga. Em Amsterdã, por exemplo, já estão pensando na instalação de equipamentos capazes de automaticamente reduzir a velocidade das tais eBikes em certas regiões da cidade (por exemplo, em cruzamentos importantes ou próximo de escolas). Claro que esse tipo de iniciativa está levantando debates importantes sobre os limites de controle do Estado. Em defesa da medida, os idealizadores dizem que só vão “controlar” o motor elétrico das bikes caso os condutores ignorem as notificações que vão receber pedindo pela redução da velocidade. Se a ideia não funcionar, o próximo passo das autoridades holandesas poderá ser emplacar as bicicletas e multá-las com o uso de radares (!!).
O que mais você pode ler por aí
A autobiografia do tenista Andre Agassi me deixou bem presa na história por dias a fio, e olha que eu nem me interesso tanto assim por tênis, viu? Na minha opinião, o ghostwriter J. R. Moeringer, reconhecido junto aos agradecimentos da obra, fez um trabalho estupendo nesta autobiografia. Pausas dramáticas, uso de caixa alta, quebra de página, onomatopeia. Acho que tudo que estava ao alcance dele foi utilizado.
Claro que a obra tem mensagens de marketing pessoal de Agassi muito claras, mas não exclui momentos de dores e desafios, se esmerando em produzir uma boa narrativa sobre valores pessoais, mesmo que alguns sejam contraditórios (tipo o cara que abandonou os estudos criando uma escola).
Muito bem escrito, a leitura flui fácil, mas o número de páginas é um tanto grandinho. De uma maneira interessante, Agassi é apresentado como uma figura complicada e cheia de traumas, capaz de mentir, mas também de se redimir ao se justificar e se explicar. Até as contradições acabam bem explicadas, ainda que a gente saiba que, no final, o livro é também um press release. Vale notar, contudo, que é um press release gostoso de ler. E também uma aula para quem é ghostwriter como eu.
O que vem por aí
Já está disponível para download gratuito o material super completo da GoAd Media sobre o SXSW 2024! Por lá, dá pra ver temas como IA, computação espacial, medtech, saúde e bem estar, comunidades, energia e clima, entre tantos outros eixos temáticos importantes e repletos de inovação e de discussões. O download é gratuito e você pode ler aos pouquinhos, sem pressa.
Feriado pouco, sua folga primeiro: talvez você tenha ouvido falar que estamos super carentes de feriados neste ano, né? O tradicional feriado de Tiradentes, por exemplo, vai cair num domingo. Por isso, com pausas de descanso tão escassas, minha sugestão é se programar para aproveitar bem as folgas que estão previstas (as próximas são 1o de maio, quarta-feira, e Corpus Christi, nos dois últimos dias de maio) e, se possível, tentar negociar uma folguinha aqui ou acolá com a sua chefia. Descansar é importante, viu? Não vá se burnoutar por aí!
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