Li por aí | O que acontece quando você bate pino?
Sempre bom saber para onde sua mente e corpo vão quando precisa lidar com momentos de irregularidade
Talvez alguém mais da sua rede de contatos tenha ido ao SXSW, esse festival de inovação que antes era conhecido como a Disney dos criativos e agora está sendo chamada de Davos da criatividade. Independente do que você tenha lido, tem uma coisa que falam pouco, mas que a gente sente muito estando lá: a sobrecarga de informação e um pouco de ansiedade, que vem com o medo de estar perdendo algo legal.
Pensa comigo: num festival que dura 9 dias e conta com quase 5 mil atividades, é impossível ver tudo. Isso faz com que cada pessoa tenha uma experiência diferente. Eu, como boa nerd que sou, assisto quatro palestras todos os dias e ainda saio conversando com as pessoas pra entender o que de legal eu perdi pra assistir depois, seja por meio dos áudios oficiais do festival ou da modalidade "Torrent" que a comunidade brasileira faz ao gravar os conteúdos num app chamado Otter.
Dá pra imaginar que lá pelo dia 6 do festival a mente já está virando uma geleca, né? A gente vai se sentindo menos inteligente, porque conectar os pontinhos vai ficando complicado, considerando a soma do cansaço físico com o esgotamento mental (e o FOMO apitando!).
É isso que eu chamo de começar a "bater pino", expressão da indústria automotiva que faz referência a um funcionamento irregular do motor, que passa a fazer barulhos esquisitos. Trabalhando com a última gota de energia, a nossa conversa interna pode ficar menos gentil e empática. "Estou me sentindo muito burra", ouvi de uma jornalista incrível que estava acompanhando o festival, mas já muito cansada para concatenar as frases em português no fechamento de um material. “Já fui mais inteligente”, disse outra profissional da escrita. Ambas seguiam incríveis. Só estavam exaustas.
Essa conversa com a gente mesmo precisa ser ainda mais gentil em momentos de alta pressão ou de irregularidade. É muito fácil cair na falácia de criticar a própria performance e achar que perdeu algum valor, mas vale lembrar que operar em condições adversas é uma tarefa difícil. Como dizia um material compartilhado pela Paula Romano, nossa conversa interna é tipo a programação enviamos ao nosso cérebro. Mandar código ruim pra essa máquina incrível processar não parece nem de longe uma boa ideia.
Quando começo a me achar insuficiente em condições "sub-ótimas", sei que o segredo é, na maior parte das vezes, descansar tanto o corpo quanto a mente. Seja dormindo mais, fazendo uma caminhada, evitando barulheira ou visitando minha livraria favorita (oi, BookPeople!), são esses momentos de descompressão que permitem que eu consiga navegar melhor mesmo fora das minhas CNTP. Fazer coisas que a gente gosta e faz com tranquilidade - como escrever essa newsletter - faz toda a diferença na hora de colocar a gente no prumo de novo. Deixar de fazer algumas coisas também é necessário. Talvez você tenha reparado que eu tinha prometido essa newsletter pra 11/03 e infelizmente não deu. Acontece.
Como a Paula disse algumas vezes nos últimos dias, está tudo na nossa mente. Cuidado com o que você pensa, especialmente quando a pressão aumenta ou as coisas desandam. E lembre-se que alguns dos pratinhos que caírem a gente cata depois.
Coisas que ouvi por aí - especial #SXSW2024
Ficção em alta para imaginar futuros
Eu esperava ver um caminhão de cases de coisas inéditas e sensacionais, mas o que mais vi nessa edição foram … histórias. Ficção mesmo, daquela que a gente estava acostumado a consumir nos livros de ficção científica. Uma das sessões trouxe literalmente a narração de “contos”, com viés otimista ou catastrófico, que apontava para caminhos que o mundo pode seguir. “Chama Design Especulativo, Jac”, explicou minha amiga e especialista em design, Leila Ribeiro. Forte concorrência com a literatura, eu pensei. Algumas das narrativas inclusive estão neste material da Deloitte sobre futuros dicotômicos (veja as páginas 8 e 9). Os otimistas são chamados de “allure”, enquanto os pessimistas levam o nome de “concern”.
***
Novas formas de energia pra um planeta em aquecimento
Heat Pump era um negócio que eu nunca tinha ouvido falar na vida. Conhecida em português como “bomba de calor”, essa tecnologia permite aquecer ou esfriar ambientes de modo mais eficiente que o ar condicionado e promete se desenvolver fortemente nos próximos anos como uma alternativa de climatização. Aparentemente frear a emergência climática parece mais difícil que aprender a conviver com um mundo mais quente. Tem mais detalhes neste relatório do MIT Technology Review.
***
Visão > Apertar um botão
Foi numa palestra sobre o avanço do desenvolvimento espacial que esse insight ficou bem mais claro. Muitas vezes a gente está muito preocupado sobre como vai usar uma tecnologia (apertar um determinado botão, como o do ChatGPT) que se esquece de pensar em qual a nossa visão sobre o desenvolvimento de uma determinada coisa.
O desenvolvimento espacial, por exemplo, começou com uma visão: sair da Terra. Daí por diante, as formas como a humanidade tentou chegar lá variaram bastante, passando inclusive por uma sucessão de falhas catastróficas. Só depois de muita pesquisa e regulamentação que chegamos a um uso comercial deste espaço.
Fiquei pensando que em alguns momentos da história vamos passar por uma inversão dessa "lineraridade" do desenvolvimento, colocando o carro na frente dos bois (ou o interesse comercial antes das pesquisas e das regulações, como acontece hoje com a Inteligência Artificial), mas nada disso começa sem uma visão. Poderoso, né? Vale lembrar que “explorar o espaço é difícil”, como destacou Chris Impey, professor de astronomia da Universidade do Arizona, antes de mostrar essa coleção de vídeos de falhas da SpaceX, que (agora) trabalha comercialmente com o espaço:
***
Pensamento acadêmico serve sim pra muita coisa!
O ano era 2016. Eu tinha deixado o jornalismo de tecnologia para atuar na comunicação de uma multinacional britânica e estava voltando aos bancos acadêmicos para cursar uma especialização na USP. E por lá, meu primeiro aprendizado arrebentou tudo o que eu acreditava sobre a tecnologia: não, os dispositivos tecnológicos não são neutros ou ambivalentes. Junto deles, vêm "codificado" o interesse de quem cria essas novidades.
Quem jogou essa verdade na minha cara foi a (sempre incrível) Beth Saad, que foi também a quem eu recorri na semana passada pra lembrar quem eram os acadêmicos que defendiam essa verve, depois de ouvir uma galera dizer que "a tecnologia pode ser usada para o bem e para o mal".
“Quem eram mesmo os acadêmicos que discordavam disso?”, perguntei pra Beth, que prontamente me lembrou que eram Manuel Castells (da Sociedade em Rede) e Sérgio Amadeu. Poucos dias depois, Joy Buolamwini, fundadora da Liga da Justiça Algorítmica, reforçou no palco principal que "a tecnologia não é neutra". Fiquei contente de saber que o pensamento não é de hoje, não é de agora, mas é ótimo que alguém do calibre da Poetisa do Código esteja reverberando o tema por aí. E eu vi primeiro nos bancos da academia, não no SXSW!
Discorde de Castells, Amadeu e Buolamwini nos comentários:
O que mais você pode ouvir por aí
Brené Brown e Esther Perel são duas pessoas incríveis geraram um frenesi de filas no SXSW. Não consegui acompanhá-las ao vivo, mas recomendo muito esse podcast que elas gravaram por lá. É bem provocativo, viu? Bom ir com o coração preparado. Você vai ouvir coisas como “eu posso ter 100 amigos nas redes sociais, mas ninguém que possa ir alimentar meu gato quando estou fora de casa”. (Eu avisei!)
Uma coisinha que eu testei por aí
Ao longo da minha cobertura do SXSW, experimentei a versão de testes do Notability, um aplicativo de anotações que consegue gravar áudio e registrar as anotações de maneira sincronizada com o que está sendo gravado. Melhor ainda: o app é capaz de transcrever com uma precisão bem boa o que escutou, de modo que eu consigo tanto retomar a aspa exata do que escutei quanto conferir as ideias que anotei naquele exato momento. O único ponto ruim é que é preciso ser capaz de reconhecer os próprios hieróglifos - abaixo o trechinho de uma anotação, sendo construída junto com a gravação quando eu aperto “play”. O app é pago, custa 15 dólares por ano, e pode valer a pena se você for um estudante ou um jornalista que está afim de parar de usar papel e caneta.
O que vem por aí
No dia 4 de abril, estarei junto do José Saad e do Edu Zanelato em evento da ABA apresentando o que vimos no SXSW 2024, discutindo sobre as múltiplas reflexões que são possíveis com o que ouvimos em Austin e como podemos aplicar novas ideias no cotidiano das companhias (e, por que não dizer, no seu também). O evento é gratuito e será virtual, a partir das 9h, e as inscrições podem ser feitas neste link;
Inclusive, vale lembrar que a GoAd Media tem um formato de palestras in-company para você que quer levar os últimos insights de inovação para dentro da sua companhia. Só procurar o Saad e dizer que eu que indiquei a palestra (se duvidar, posso até ir junto para contar sobre todas as novidades de IA e tecnologia que vi por lá!)
Para além do que euzinha acompanhei - deixei algumas provocações no destaque do meu Instagram - recomendo muito que quem se interessa por visões de mundo diferentes dê uma olhadinha também no que chamou a atenção de outras pessoas muito boas que acompanharam a conferência. Leila Ribeiro, por exemplo, fez uma excelente cobertura abrangente do SXSW para o UOL para Marcas; Luciana Bugni estreou no festival com um olhar muito genuíno; Paula Romano tem um olhar muito apurado para as coisas boas, lá no Update or Die; Guilherme Ravache fez críticas importantes e contundentes no Valor; Cris Camargo trouxe reflexões potentes sobre conexões reais; Flavio Passos elencou os principais temas relacionados ao setor automotivo; Passa fica "estressadinha feliz" com temas que divide na sua newsletter. Tem de tudo um pouco. Aproveite para ter mais de uma visão desse prisma doido que é um festival de inovação.