Li por aí | Vai e vem, como um pêndulo
Você já deve ter vivido uma situationship e talvez vá sentir surpresa ao saber do potencial de revival da linha fixa (!)
Antes mesmo de me debruçar por quatro anos em estudos da literatura, tinha percebido que as escolas literárias tinham uma tendência a ter um movimento pendular, de vai e vem. Se uma valorizava a razão, a outra ia valorizar a emoção. E a terceira da sequência muito provavelmente voltaria a valorizar a razão. Era esquisito, mas era o que eu reparava ao fazer as anotações nos cadernos do cursinho.
O movimento era semelhante na moda. O vestuário que era inédito para mim na juventude fazia minha mãe soltar um “também usei isso no passado”. Recentemente tenho tido “dias de minha mãe”, onde escuto uma novidade, me aprofundo para entender e… “ah, a gente tinha disso também, mas o nome era outro”.
Com o tempo, acho que é esperado que isso aconteça comigo mais vezes. É o caso da expressão situationship, que tem sido usada pelos mais jovens para descrever um tipo específico de relacionamento. Com origem no inglês, dava para desconfiar que era um “relacionamento situacional”, e a tradução é mais ou menos isso mesmo. O termo, segundo a BBC, descreve uma área cinzenta entre a amizade e o relacionamento amoroso. Na minha época chamava “ficando”, mas era a mesma coisa, um jeito de se referir a um relacionamento que é um pouco mais do que uma amizade, mas que não está pronto ainda para as formalidades do namoro.
Esse vai e vem cultural, aparentemente, vai fazer com que a gente perceba algumas coisas um pouco surpreendentes ao longo das nossas vidas. Tem quem aposte, por exemplo, no ressurgimento das linhas fixas. A depender da sua idade, talvez você nem lembre do que se trata, mas eram telefones que a gente não carregava no bolso, mas deixava paradinho em um determinado cômodo da casa e só atendia por lá.
Tomei um susto igualzinho o desse minion. LINHA FIXA? Telefone das antigas, daqueles que inspiraram a gente a fazer o gesto de atender o telefone com o mindinho e o polegar ao invés de simplesmente espalmar a mão na orelha quando quer fingir que está usando um telefone? Pois é, isso mesmo. Tem jovem comprando linha fixa no equivalente gringo da OLX e adquirindo um número de telefone fixo, que compartilha apenas com os amigos.
“Jac, mas qual a graça que eles veem nisso?”
Bom, talvez a graça que eles não veem no digital. Não é que eles precisam de uma linha fixa, mas eles querem ter uma linha fixa porque ela é mais simples. Serve para um propósito único: falar com pessoas que você gosta. “As linhas fixas são a forma de conversar com os amigos por horas, onde as conversas podem ser mais profundas do que uma mensagem de ‘e aí, qual a boa’”, diz a reportagem do The Guardian.
Tem também um componente muito curioso, que é o de ser surpreendido. As linhas fixas não vinham com identificador de chamadas, então a gente atendia sem saber exatamente quem estava ligando. Propaganda? Sua avó? Uma cobrança? Uma pessoa que você não vai com a cara? Não importa, para saber, era preciso atender e soltar um “alô?”. E parece que essa chance de ser surpreendido com uma ligação de alguém que você não sabe exatamente quem é virou a grande graça. “Se eu conheço alguém que é o tipo de pessoa que eu convidaria de novo para me visitar na minha casa, compartilho com ela a minha linha fixa”, contou uma jovem de 24 anos para a reportagem. É o tal pêndulo. Tão legal a Bina, mas tão interessante também ser surpreendido, né?
Na minha época a gente chamava isso daí de “ligar pra alguém”. Deve vir daí também a expressão “você nem liga pra mim”, quando alguém reclama da atenção que não está recebendo de alguém. No final, estamos atrás da mesma coisa. A economia segue sendo a da atenção. Os meios de chegar lá é que podem ser um pouco… vintage.
Li por aí e você pode achar bacana também
Texto, imagem e vídeo - o que a Open AI ainda não faz?
A sensação é de que não dá pra confiar em mais nada. Além do ChatGPT, que faz textos bastante bons a partir dos comandos certos, e do Dall-E, que produz imagens, agora a OpenAI apresentou o Sora, ferramenta que gera vídeos de qualidade bastante boa a partir de comandos. Quando a IA melhora tanto, é bom desconfiar de qualquer coisa que você ver por aí. Sempre sugiro prestar atenção no que os robôs ainda não sabem fazer tão bem. Uma dica é olhar para os dedos: mais ou menos do que cinco dedos é uma denúncia bem clara de uso de IA generativa em imagens.
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Ainda não faz patente, pelo visto
O Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos EUA garante que por mais que as IAs tenham sido usadas para criar alguma coisa inédita, elas não podem ser indicadas como inventoras. No entanto, também esclareceram que os seres humanos podem sim usar ferramentas de IA no processo de criar uma invenção e patenteá-la, mas que devem deixar claro quando fizerem uso de uma ferramenta de IA no processo. Tem um guia completo e detalhado (27 páginas!) que explica, entre outras coisas, que é preciso que a pessoa inventora tenha contribuido substancialmente para a criação. Ou seja, não dá pra simplesmente patentear uma boa resposta das máquinas.
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Com mais diversidade, IA pode ser útil para promover acessibilidade
Saca a situação complicada: estavam discutindo sobre alterações na categorização do que seria “deficiência” nos EUA e abriram uma consulta pública para receber feedbacks. O problema era básico: as pessoas com deficiências das mais diversas, que provavelmente seriam as principais a ter críticas à proposta, eram as que teriam mais dificuldades para conseguir dar pitacos, por conta da falta de acessibilidade.
Foi pensando nisso que foi criado um robô assistente, usando o GPT-4, para ajudar as pessoas a submeterem seus comentários e críticas a essa proposta. “Agradeço pela criação deste assistente, que me ajudou a fazer o tipo de comentário que eu sempre quis. Estou com muita confusão mental agora e não teria conseguido de outra forma”, foi um dos testemunhos de quem fez uso da ferramenta. A provocação dessa matéria vem no sentido de provocar que, nas mãos certas e com o pensamento correto, a IA poderia, de certa maneira, ajudar a automatizar e incluir melhor pessoas com diferentes tipos de deficiências. Parece otimismo demais, mas ainda assim válido.
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Luxo sob demanda: vem aí o AirBnB de barcos
O véio da lancha pode ser você! Na mesma proposta do AirBnB, o paulista Heverton Rodrigues inventou o Voguer, uma plataforma de aluguel de barcos e iates. O sistema é baseado em diárias e inclui, além do uso da embarcação, também a tripulação correta para pilotar o veículo. Não sai barato - as diárias começam em R$ 2.000 - mas o negócio já começa com a sugestão de fazer a locação de forma coletiva, junto com um grupo de amigos. Conseguindo reunir mais 9 pessoas para viajar contigo, o passeio de um dia custaria algo como R$ 200. Pra quem curte, pode ser uma ideia. Vou sugerir o passeio pelo glorioso Litoral Norte, mas tem em outras regiões litorâneas do Brasil também.
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O engarrafamento das bagagens não despachadas em linhas aéreas
Com o movimento de cobrar pelas bagagens despachadas, o bagageiro superior dos aviões virou um campo de batalha. Essa matéria da The Atlantic mostra que pode estar acontecendo até um certo “overbooking” de espaço de bagagem no compatimento superior da aeronave, a ponto de existirem mais passageiros embarcados do que espaço para guardar suas bagagens não despachadas.
A viagem está se tornando desconfortável a tal ponto que os arquitetos dos interiores das aeronaves têm apontado que será preciso pensar em novas soluções caso a decisão de negócios das companhias aéreas seja de continuar cobrando pelo despacho dos itens pessoais de quem voa. Uma solução que se especula para próximas aeronaves é imitar os trens, por exemplo, e estabelecer um local específico no avião para colecionar as malas que não forem no porão. Em todo caso, os comissários de voo pedem com carinho: se puder despachar, despache.
O que mais você pode ler por aí
Enquanto preparo a agenda da cobertura do SXSW para a GoAd Media (eu faço o perfil super dedicada, que verifica tudo antes, monta agenda com opções A, B e C) também estou me esmerando em tentar passar por alguns bons relatórios de tendências. A ideia é ter alguma noção do que está na mente dos futuristas, esses caras que ficam observando o mundo e falando “acho que é por ali”. No momento, a listinha atual tem o levantamento da Accenture Life Trends, previsões da Forrester Research, Megatrends de Dubai e o Future 100 da VML. Somados, eles são mais de 300 páginas de ideias de futuro. Nas próximas edições espero voltar com algum insight de alguns deles. Viu um outro relatório de tendências bacana? Me mande!
O que vem por aí
Eu e minha sócia na IRIC estamos buscando por pesquisadores que topem conversar sobre os desafios de financiamento que têm enfrentado em seus projetos de pesquisa. Queremos saber o que é mais difícil de contratar, quais burocracias andam emperrando o acesso a bons profissionais para atividades extras (como comunicação de ciência, especialidade da IRIC) e também a serviços (por exemplo, será que é fácil contratar hospedagem de site para o projeto de pesquisa?). Se você é essa pessoa ou se conhece alguém com esse perfil, indique pra gente. Essas conversas vão nos ajudar a construir um questionário de pesquisa, que pretendemos publicar mais adiante.
Em paralelo, também estou numa saga pessoal de encontrar boas obras de não-ficção escritas por ghostwriters. O desafio principal é que, bem, os ghostwriters costumam ficar nos bastidores, e raramente sabemos quem são. Na minha lista já passei por O que sobra, A Mulher em Mim, Minha História e estou lendo o livro do Agassi. Se você conhecer outra obra de referência interessante que tenha sido escrita por ghostwriters, deixe a dica nos comentários!