Ao longo dos últimos meses acompanhei a recuperação de algumas pessoas muito queridas da minha rede. Cada uma fazia um procedimento de saúde eletivo, mas de recuperação complicadinha. Reparei que existia uma variável em comum entre todas elas: a dificuldade em lidar com o tempo que se leva para uma recuperação.
Veja bem, cientificamente falando, existem quatro estágios básicos na cicatrização, que envolvem: 1) homeostase, que é o momento do inchaço, com a formação de coágulos pra impedir a perda de sangue, logo nas primeiras horas; 2) inflamação, quando seu corpo tenta garantir que bactérias e micro-organismos não entraram por aquele corte, acontece na 1a semana; 3) proliferação, quando o corpo reconstrói o tecido cortado, a partir da 2a semana; e 4) remodelagem, quando o corpo fortalece o tecido que formou a cicatriz, o que dura até 2 anos, a depender do procedimento.
O que talvez falte de compreensão aos pacientes: não, você não é o Wolverine. A cicatrização e a recuperação levam tempo e, para lidar com isso, é preciso paciência.
Recuperar-se leva tempo. E, em tempos de podcast em 2x e mensagens torando no zap a todo momento, a gente talvez esteja perdendo essa capacidade de aguardar e de lidar com coisas que realmente precisam de tempo. O tempo de cicatrizar, o tempo de superar uma demissão, o tempo de um luto, de uma decepção, o tempo da reflexão necessária antes tomar uma decisão…
Às vezes, quando bate a agitação, gosto de ficar olhando pela janela do meu escritório e contemplando o trânsito do anel viário da minha cidade. Parece esse gif aí da abertura da newsletter. Penso que não é porque as coisas estão em movimento lá fora que a gente também precisa estar.
Mas não é uma jornada fácil. Nem todo dia dá certo. E se nem a gloriosa e expert Brené Brown tá dando conta (e tá percebendo que o luto precisa mesmo de mais tempo pra ser processado), tudo bem a gente também mandar mal de vez enquanto. Quando perceber que você está se cobrando uma velocidade Wolverine de recuperação dos seus tombos e traumas, lembre que você não é X-Men e volta pra realidade. Respira, e não pira.
Li por aí e você pode achar bacana também
A beleza em desistir, seção especial na Folha de S. Paulo
Ao longo dos meus anos formativos, ouvi diversas vezes, de diversas vozes familiares, que eu “não deveria desistir". As coisas eram difíceis, mas era preciso tentar. O conselho vinha de um lugar bom, cheio de afeto, mas desconsiderava um aprendizado importante: desistir de dar murro em ponta de faca é, às vezes, uma boa decisão.
Felizmente, escutei de outros mentores e pessoas admiráveis ao longo da vida que falhar rápido pode ser importante pra desistir de “insistir no erro”. Persistir pra sempre pode ser ruim, podemos estar persistindo na coisa errada. Acredito que nossa falha cultural, no sentido de não saber lidar tão bem com o desistir, tem a ver com associar desistência ao fracasso. “Se ele apenas tivesse tentado um pouco mais, se apenas insistisse…” - dirão alguns, mas a verdade é que nada garante.
Por isso, achei ousada e ao mesmo tempo importante a série especial da Folha que promete destacar a relevância e lado positivo da desistência. Sugiro começar com esse texto, que aborda esse paralelo equivocado entre desistir e fracassar. Por vezes, desistir é exatamente a chave do sucesso. Os empreendedores que o digam. Dica da Ana Paula Passarelli.
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As coisas boas que acontecem quando um líder tira um sabático
Matt Mullenweg é um líder que acompanho há algum tempo, porque ele costuma “abrir a cozinha” de algumas de suas decisões na coordenação da Automattic, empresa que é proprietária de alguns softwares que gosto muito, como o Wordpress, Simplenote e DayOne. Nesta postagem, ele conta que está saindo para um sabático de 3 meses, que é um dos benefícios oferecidos para quem completa 5 anos de casa, e reforça o quanto isso é bom não apenas para o colaborador, mas também (por mais contra-intuitivo que pareça) para a companhia.
Isso porque a empresa é obrigada a pensar em como funcionar sem a participação daquela pessoa. O que acontece é que nos meses anteriores ao seu período de licença sabática, quem vai se ausentr precisa preparar outras pessoas para ocupar parte de suas funções. E isso dá a oportunidade de que colaboradores mais jovens e menos experientes possam experimentar, por um curto prazo, funções e responsabilidades mais ousadas. No post há um vídeo curto, de 5 minutinhos, em que Matt conta sobre a experiência de se preparar para se ausentar do cargo de CEO por alguns meses. Achei interessante a proposta.
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Será que falta transformação digital para ajudar a equilibrar tarefas domésticas?
Para surpresa de quase ninguém, equalizar o trabalho doméstico de quem vive na mesma casa é um desafio. O assunto já foi tema de trabalhos vencedores do Nobel e, na minha visão, está bem longe de acabar, mas essa matéria me fez pensar numa outra perspectiva: como é que uma transformação digital pode ajudar ao menos a amenizar a situação? Porque, veja bem, o trabalho duro mesmo tem a ver com diálogo, essa palavrinha difícil de colocar em prática quando a coisa aperta.
Só que ao mesmo tempo algumas ferramentas podem facilitar o rolê, como provoca a fonte dessa matéria da BBC, que se coloca como expert em ajudar casais a dividirem o trabalho doméstico de forma igualitária. Pode ser um app para compartilhar a lista de compras (e dividir a carga mental que é pensar no que é preciso comprar), ou organizar um calendário compartilhado para dar visibilidade aos compromissos da família.
Aqui em casa temos um grupo de WhatsApp só pra colecionar prontuários veterinários da Lola, nossa pastora de shetland. Por lá, mantemos receitas de medicamentos e as anotações de quem foi levá-la para o compromisso veterinário, pois eu e o ilustríssimo alternamos o papel de “tutor da vez”. De repente, tem uma coisa ou outra aí do digital que pode ajudar. Comunicação é essencial, mas um app até que pode ser legal, hein?
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Como é difícil escrever bem
Quem vê assim as letrinhas enfileiradas às vezes não sabe o trabalho que dá. Escrever bem requer rever seu texto até enjoar. E cortar, cortar, cortar. Meter a faca em excessos, rever parágrafos, alternar pra um sinônimo, corrigir aquele erro de digitação. Fabiane Guimarães conta neste episódio da sua newsletter “Tristezas de Estimação” o trabalho que dá escrever com elegância. Pessoal vê os parágrafos que a gente publica, mas não os rascunhos que a gente joga fora, né, Fabi? Valorize as letrinhas bem enfileiradas que você lê por aí.
O quê mais você pode ler e assistir por aí
Há algumas semanas li essa crítica sobre o filme Anatomia de Uma Queda, da Justine Triet, e fiquei intrigada. Felizmente, a indicação ao Oscar colocou a película no circuito Vale Paraibano de telonas e eu fui assistir com uma amiga ao longo desta semana. Fazia tempo que eu não assistia um filmão como esse. Quis morder o promotor ao longo do filme? Sim. Acabei exigindo um ajuste do fuso pessoal da minha amiga (que é matutina) pra ficar até a meia-noite no cinema? Também. Mas valeu muito a pena. O melhor diálogo, na minha opinião, foi a discussão do casal - o recorte você vê no reels logo abaixo.
Faz a gente pensar que a verdade, no fundo, pode ser apenas uma narrativa. O que será que a gente está narrando a partir do que vê, não é mesmo? Para os jornalistas, destaque para a forma como mostram o noticiário lidando com a situação. Vale como reflexão sobre a profissão.
O que vem por aí
Não sei se você reparou, mas semana que vem já é Carnaval! Aproveite a folga para gastar o seu tempo de uma forma que te faça bem. Se precisar de uma mãozinha para ficar longe do celular, este livro tem algumas dicas (em português), assim como esse tutorial do Centro por uma Tecnologia Mais Humana (em inglês) e essa matéria do colega e amigo Marcelo Soares (português).
A premiação do Oscar de 2024 acontece em 10 de março e até lá os circuitos de cinema vão exibir vários filmes que estão concorrendo - é o caso de Anatomia de uma Queda (recomendei logo acima) e também do Vidas Passadas, recomendadíssimo por Luiza Bodenmuller. Vale aproveitar para reviver essa experiência que é assistir filmes na telona, em um sofá que não é o da sua casa e com uma pipoca superfaturada. Ou aguardar chegar aos streamings. Aqui uma listinha marota dos filmes e onde assistir.
Em 07 de fevereiro celebra-se o Dia da Internet Segura - esse dia pra lembrar as coisas que a web deveria ser e infelizmente não consegue dar conta nos dias de hoje. A SaferNet tem um guia bem detalhado sobre como discutir os principais pilares (como educamídia, segurança e privacidade, combate à violência online e cuidado com saúde mental), mas se você puder fazer apenas uma coisinha, dê aquele Google maroto no seu próprio nome, veja o que aparece nos primeiros resultados e tente ver se algo ali pode te prejudicar. Parece egotrip? Sim, mas você pode encontrar dados de endereço da sua casa em sites raspadores de dados e pedir a remoção dos seus dados pessoais dali. Vai gastar uns 15 minutinhos do seu dia, mas pode ser útil, especialmente pra quem algum dia já teve MEI.